Pesquisar este blog

Social Media Exchange Website - Likenation

domingo, 12 de junho de 2016

ROTACISMO, JÁ OUVIU FALAR?

Preconceito Linguístico



                    Quantas vezes você já ouviu alguém dizer Cráudia, grobo, pranta, ingrês, broco entre outras palavras e teve muita vontade de rir, se é que não riu gostoso? Ou então, teve pena do “pobre coitado” que “não sabe português” e fala tudo “errado”?

Enfim, os professores, os livros, as gramáticas e os dicionários nos ensinam que o “certo”, o “bonito” é Cláudia, globo, planta, inglês, bloco... correto?

Ao invés de ser burlesco, ou risível, ou tido como ignorância de uma pessoa, o português não padrão possui sua própria lógica linguística, fundamentada na evolução natural da língua através dos tempos. Este fenômeno, da troca do “L” pelo “R”, dá-se o nome de Rotacismo. O rotacismo não é um erro, e sim, uma evolução natural da língua, cuja raiz é o latim.

Pela falta de conhecimento, tendemos a agir com preconceito, que podemos definir aqui como preconceito linguístico, alusivo aos falantes que fazem tal uso. Aos olhos da moderna sociolinguística, os linguistas brasileiros não concordam com o rótulo de “erro” o modo de falar do povo comum, dito iletrado. Palavras usadas por essa pessoas, que sofrem com injustiças sociais, por não poderem ir à escola aprender o português padrão, a língua literária, escrita, dos mais “favoráveis”, falam um português com suas características diferentes do nosso. Que não há problema algum: é coerente, seguindo tendências naturais e uma lógica histórica.

Observe o quadro a seguir:



Não lhe parece engraçado que onde havia um “L” em latim (“L” que se conservou em Francês e Espanhol), surgiu um “ridículo” “R” em português? O que terá acontecido? Será que você e um monte de gente desavisada estão usando estas palavras sem saber que são “erradas” ou “engraçadas”?

Vejam agora esses versos d’Os Lusíadas logo abaixo. Lembrem-se que Os Lusíadas fora escrito por aquele que é considerado o maior poeta da língua portuguesa, Luís de Camões, considerado até como o verdadeiro “inventor” da nossa língua literária.

“E não de agreste avena, ou frauta ruda” (canto I, verso 5)
“Doenças, frechas, e trovões ardentes” (canto X, verso 46)
"Era este ingrês potente, e militava” (canto VI, verso 47)
“Nas ilhas de Maldiva nasce a pranta(canto X, verso 136)
Pruma no gorro, um pouco inclinada” (canto II, verso 98)
“Onde o profeta jaz, que a lei pubrica(canto VII, verso 34)

Agora a sagaz pergunta, por que não estamos morrendo de rir, pois como vimos acima o badalado Camões, também “não sabia português”, era “burro” motivo de chacota? Claro que não.

Pois não houve uma só alma caridosa que dissesse a ele: “não Luís, não diga frauta, frecha, ingrês, pranta, pruma, pubrica, o correto é flauta, flecha, inglês, planta, pluma, publica.

Ficou sem palavras? Lembram-se de José de Alencar e de Machado de Assis? Pois é, eles também escreviam froco em vez de floco.

Para se ter um ideia, em italiano, esse mesmo “L” virou um “I”: fiamma – flama, fiore – flor, piantra – planta.

Aí você se pergunta – Por que muitas palavras em português mantiveram o “L” depois de consoante? Sem ter nada a ver com “certo” ou “errado”. Pode ter sido uma tentativa de alguns escritores ou gramáticos de “recuperar” a forma latina original. Ou questão de opção: na época de Alencar e Machado havia a liberdade de escolha entre froco e floco, o que hoje não existe. O próprio Camões, n’Os Lusíadas, escreve ora ingrês, ora inglês.

Por razões como essas, entre outras, que algumas palavras permaneceram na norma-padrão com “L” do latim, e outras pelo rotacismo ficaram com o “R”.

Vamos abominar a cultura da “língua errada”, típica das classes sociais cujo acesso a educação formal é limitada. Consideradas pobres e/ou analfabetas, longe dos centros de poder, pois não escrevem livros, não trabalham em novelas, são pobres e feias, e por isso acabamos sendo ensinados (e muitos ensinam) a rir desse modo de falar...

Enquanto não resolvermos questões sociais, continuaremos com o comportamento do riso, achando engraçado quem fala chicrete e probrema e admirando os que pronunciam chiclete e problema.


Referência bibliográfica
BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália, Novela Sóciolinguística, Editora Contexto, São Paulo, 2008.

Um comentário:

  1. Parabens pelo conteúdo, me auxilou em um trabalho e me fez refletir sobre esse preconceito.

    ResponderExcluir