Preconceito Linguístico
Quantas
vezes você já ouviu alguém dizer Cráudia,
grobo, pranta, ingrês, broco entre outras palavras e teve muita vontade de
rir, se é que não riu gostoso? Ou então, teve pena do “pobre coitado” que “não sabe
português” e fala tudo “errado”?
Enfim,
os professores, os livros, as gramáticas e os dicionários nos ensinam que o “certo”,
o “bonito” é Cláudia, globo, planta, inglês, bloco... correto?
Ao
invés de ser burlesco, ou risível, ou tido como ignorância de uma pessoa, o português
não padrão possui sua própria lógica linguística, fundamentada na evolução natural da língua através dos
tempos. Este fenômeno, da troca do “L” pelo “R”,
dá-se o nome de Rotacismo. O rotacismo não é um erro, e sim, uma evolução
natural da língua, cuja raiz é o latim.
Pela falta
de conhecimento, tendemos a agir com preconceito, que podemos definir aqui como
preconceito linguístico, alusivo aos falantes que fazem tal uso. Aos olhos da
moderna sociolinguística, os linguistas brasileiros não concordam com o rótulo
de “erro” o modo de falar do povo comum, dito iletrado. Palavras usadas por essa
pessoas, que sofrem com injustiças sociais, por não poderem ir à escola
aprender o português padrão, a língua literária, escrita, dos mais “favoráveis”,
falam um português com suas características diferentes do nosso. Que não há
problema algum: é coerente, seguindo tendências naturais e uma lógica
histórica.
Observe o
quadro a seguir:
Não lhe
parece engraçado que onde havia um “L” em latim (“L” que se conservou em Francês
e Espanhol), surgiu um “ridículo” “R” em português? O que terá acontecido? Será
que você e um monte de gente desavisada estão usando estas palavras sem saber
que são “erradas” ou “engraçadas”?
Vejam agora
esses versos d’Os Lusíadas logo
abaixo. Lembrem-se que Os Lusíadas fora
escrito por aquele que é considerado o maior poeta da língua portuguesa, Luís
de Camões, considerado até como o verdadeiro “inventor” da nossa língua
literária.
“E não
de agreste avena, ou frauta ruda” (canto I, verso 5)
“Doenças,
frechas, e trovões ardentes” (canto X, verso 46)
"Era
este ingrês potente, e militava” (canto VI, verso 47)
“Nas
ilhas de Maldiva nasce a pranta” (canto X, verso 136)
“Pruma no gorro, um pouco inclinada” (canto II, verso 98)
“Onde
o profeta jaz, que a lei pubrica” (canto VII, verso 34)
Agora a sagaz
pergunta, por que não estamos morrendo de rir, pois como vimos acima o badalado
Camões, também “não sabia português”, era “burro” motivo de chacota? Claro que
não.
Pois não
houve uma só alma caridosa que dissesse a ele: “não Luís, não diga frauta, frecha, ingrês, pranta, pruma,
pubrica, o correto é flauta, flecha, inglês, planta, pluma, publica.
Ficou sem
palavras? Lembram-se de José de Alencar e de Machado de Assis? Pois é, eles também
escreviam froco em vez de floco.
Para se ter
um ideia, em italiano, esse mesmo “L” virou um “I”: fiamma – flama, fiore –
flor, piantra – planta.
Aí você se
pergunta – Por que muitas palavras em português mantiveram o “L” depois de
consoante? Sem ter nada a ver com “certo” ou “errado”. Pode ter sido uma
tentativa de alguns escritores ou gramáticos de “recuperar” a forma latina
original. Ou questão de opção: na época de Alencar e Machado havia a liberdade
de escolha entre froco e floco, o que
hoje não existe. O próprio Camões, n’Os
Lusíadas, escreve ora ingrês, ora inglês.
Por razões
como essas, entre outras, que algumas palavras permaneceram na norma-padrão com
“L” do latim, e outras pelo rotacismo ficaram com o “R”.
Vamos
abominar a cultura da “língua errada”, típica das classes sociais cujo acesso a
educação formal é limitada. Consideradas pobres e/ou analfabetas, longe dos
centros de poder, pois não escrevem livros, não trabalham em novelas, são
pobres e feias, e por isso acabamos sendo ensinados (e muitos ensinam) a rir
desse modo de falar...
Enquanto
não resolvermos questões sociais, continuaremos com o comportamento do riso,
achando engraçado quem fala chicrete
e probrema e admirando os que
pronunciam chiclete e problema.
Referência bibliográfica
BAGNO,
Marcos. A Língua de Eulália, Novela Sóciolinguística, Editora Contexto, São Paulo,
2008.
Parabens pelo conteúdo, me auxilou em um trabalho e me fez refletir sobre esse preconceito.
ResponderExcluir